terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A espiral da verdade! Ou seria da mentira?

A partir dos anos oitenta do século passado, ganhou força a preocupação das empresas  na formulação e divulgação da missão, visão, valores e/ou compromissos.

Tornou-se imperioso desenvolver uma frase que definisse a  missão da empresa. Proprietários, executivos e gerentes reuniam-se para montar uma frase com significado que pudesse servir como um verdadeiro “estandarte” para ser divulgado e decorado por todos os funcionários. Além da visão, era necessário estabelecer os valores e/ou compromissos, os quais eram divulgados para os clientes, fornecedores e instituições em geral. Ao mesmo tempo, quadros, faixas e banners eram espalhados na fábrica, escritório e recepção. Com tudo isso feito, acreditava-se estar criando uma nova imagem para a empresas e o nascimento de uma atitude de orgulho e comprometimento por parte dos  funcionários.

O tempo foi passando e pudemos observar que:

·        Em muitas empresas, tudo não passou de apenas mais um “modismo” que os ventos da modernidade trouxeram às gestões dessas organizações. Quadros foram retirados de muitas recepções, mas não é difícil encontrar empresas onde alguns ou faixas empoeiradas são vistas dentro de suas instalações.  

·        Também é grande o número de empresas em que a missão, visão   e  valores           são amplamente trabalhados e divulgados junto aos seus colaboradores (pelo RH) e público externo (sites, catálogos, folhetos promocionais, etc) porém as práticas e relações nem sempre refletem o conjunto de virtudes apresentado.

·        Infelizmente, são poucas as organizações que  conseguiram criar, difundir e praticar plenamente o conteúdo de suas missões, valores e/ou compromissos. 

Vamos fazer uma reflexão sobre a realidade  presente nos dois primeiros grupos.


A DIVERSIDADE DO SER HUMANO  

O dicionário “Houaiss”,  define “diversidade” como: qualidade daquilo que é diverso, diferente, variado; variedade.

Pois é!  É exatamente na diversidade do ser humano que nasce a primeira grande dificuldade para fazer com que a missão, valores e/ou compromissos de uma organização sejam plenamente aplicados e praticados pelos funcionários, pois todo indivíduo traz consigo uma série de comportamentos, atitudes, posturas e forma de pensar, agir e se comunicar que nem sempre combinam com os contextos criados.

No dia-a-dia, vão surgindo situações que contribuem para a degradação das relações, gerando tensões e conflitos que acabam destruindo ou, no mínimo, deteriorando os objetivos estabelecidos e desejados.   Quando - dentro de uma empresa – ações e condutas são baseadas nas emoções das pessoas, sobrepondo-se às posturas racionais, ou quando racionalismos exagerados impedem avaliações ou decisões que requerem maiores graus de sensibilidade, a missão e valores tornam-se apenas “retóricas” ultrapassadas.

Nos últimos anos muita coisa tem sido escrita e discutida sobre a importância do equilíbrio emocional para o desenvolvimento profissional dentro das organizações, mas pouco tenho lido sobre o impacto negativo na missão e valores.   Entendo que cabe aos líderes encontrar o equilíbrio dessas duas vertentes (emoção e razão) nas ações, práticas e diretrizes que possam ajudar a sedimentar as missões e valores de cada empresa.


O PAPEL ACEITA TUDO

Vamos considerar uma empresa fictícia que tem em sua MISSÃO e VALORES,  dizeres parecidos com aqueles apresentados por muitas organizações:

                                                           MISSÃO

            “Superar  as expectativas  de  nossos  clientes, através da produção
            de “xxxxxxxx” com  os  mais  elevados  padrões de qualidade,  utili-
            zando tecnologia de última geração, respeitando as leis ambientais,
            assegurando a plena satisfação dos colaboradores e  gerando   uma
            lucratividade acima da média do mercado”.

                                                           VALORES

·        Ser ético em todas as transações e relações
·        Ter o foco no cliente
·        Respeito e integridade nas relações com os funcionários
·        Observar plenamente as leis do país
·        Ser socialmente responsável junto à comunidade e sociedade
·        Ajudar a preservar o meio ambiente para as futuras gerações

Pergunto: o que você acha que aconteceria com essa empresa se algumas das situações abaixo representassem a realidade, a prática ou comportamento habitual:

  1.  Cliente precisa obter alguma informação por telefone e é “esquecido” na linha.
  2.  Produto apresenta algum problema e a solução para o cliente é demorada.
  3.  A manutenção dos  equipamentos é precária e somente corretiva.
  4.  Hábito de dar propina para fiscais e compradores.
  5.  Nem todos os funcionários são registrados.
  6.  Condições de higiene e limpeza precárias.
  7.  Não há preocupação com o destino do lixo e resíduos produzidos.
  8.  Efetua vendas sem nota fiscal.
  9.  Mantém “Caixa 2”.
10.  Lucro é o objetivo maior da organização e que interessa só aos sócios e diretores.
11.  Sócios e diretores que gostam de exteriorizar riqueza.
12.  Sempre prevalece o ditado: “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
13.  Educação e respeito não existem nas relações entre chefes e subordinados.

Antes de responder, deixo uma questão preliminar para você refletir posteriormente: Será que as situações mencionadas não são verdadeiras e, portanto não fazem parte de centenas (ou milhares) de empresas em nosso país ?

Retornando à primeira questão, é evidente que as chances dessa empresa ter sucesso estariam substancialmente diminuídas, pois a percepção dos agentes externos (clientes, fornecedores, bancos, comunidade, etc) diante das ações e atitudes – em todos os níveis – refletirem realidade muito diferente daquela apresentada, seria construída em bases frágeis e sem consistência.

Nessa organização, seria comum ouvir frases do tipo: “Por que vou me esforçar se a empresa não reconhece?”;  “Não quero nem saber...o cliente que se dane !”;    “Meu chefe que fique depois da seis, afinal é ele que ganha bem !” “A empresa não está nem aí comigo!”; “A empresa não dá condições mínimas de segurança e depois vem cobrar produtividade!”; “A empresa diz que não tem dinheiro para aumentar o salário da turma, mas os donos estão sempre de carro novo !”;  “Por que você acha que eles vendem sem nota ? É para não pagar imposto e sobrar mais dinheiro no bolso deles!”;  “Você nem imagina o tamanho do Caixa 2!”; “ Do jeito que as coisas andam lá fora, é melhor você ficar quietinho antes que sobre para você!”; ‘É melhor a gente ficar de boca calada e torcer para que não aconteça nenhum acidente naquela máquina!”;  “É gozado, tudo que fazemos aqui é exatamente o contrário dos valores que a empresa prega!”; “Não tem nada não, um dia esses caras vão se ferrar!”

Pode parecer que tudo isso tenha sido parte de um passado longínquo e que não mais esteja presente nas organizações. Um tempo no qual, as ineficiências e mazelas internas eram repassadas sem o menor pudor e os clientes tinham que aceitar o que lhes era entregue. Todavia, infelizmente, essa é uma realidade presente em muitas organizações de pequeno, médio e grande porte.  Como é possível que ainda estejam “vivas” ?  Não tenho a resposta, mas o tempo dirá!

Convido você: empresário, executivo ou diretor de empresa, a fazer uma sincera reflexão sobre a missão e valores de sua empresa e torço para que ela sempre faça  parte da espiral da verdade e jamais da mentira!


Autor: Carlos Alberto Zaffani  -  Consultor em Gestão de Empresas