terça-feira, 3 de junho de 2014

Relações trabalhistas e sindicais: na busca do equilíbrio!

Nota: Num momento em que temos visto a ocorrência de inúmeras greves em todos os estados (especialmente do funcionalismo público), convido o caro leitor a rever o artigo que abordei a difícil relação entre empresas e sindicatos. Boa leitura e reflexão!

Abordar este tema não é fácil, principalmente porque existem pelo menos três grandes participantes envolvidos: empregadores, empregados e sindicatos. Poderíamos acrescentar mais dois: a Justiça Trabalhista, na qual as partes costumam recorrer quanto sentem-se prejudicadas ou não têm suas aspirações atendidas e o governo, o qual, através de seus vários órgãos e/ou representantes - muitas vezes - tomam ou encaminham decisões políticas e/ou questionáveis para uma ou mais partes envolvidas.

Como o assunto é muito abrangente, vou me ater a uma abordagem mais restrita e somente sobre alguns aspectos. É importante esclarecer que trata-se de uma opinião pessoal, baseada na vida corporativa como empregado, em observações ao longo de alguns anos no comando da área de recursos humanos de empresas multinacionais, reunindo-se e negociando com dirigentes sindicais de diferentes categorias e também como consultor em gestão empresarial.  

Breve introdução

O sindicalismo nasceu no século XVIII, na Inglaterra, durante a revolução industrial e com a implantação de sistemas de remuneração.

No Brasil, somente a partir da década dos anos 70 do século passado é que o movimento sindical começou a ganhar notoriedade, especialmente pelo fortalecimento do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (na época comandado pelo ex-presidente Lula) que culminou com a primeira greve geral da categoria em 1979 e a obtenção do apoio da sociedade para realização da mais longa greve em nosso país já no início da década seguinte (fonte: http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2004/03/26/520176/movimentos-sindicais.html ).

Nos anos da década de 1980 o sindicalismo se fortaleceu ainda mais com a implantação dos CCQ (Círculos de Controle da Qualidade), maior liberdade democrática nos ambientes de trabalho, participação nas negociações salariais (Convenções e Acordos Coletivos) e responsabilidade pelos comandos de greves. Em 1988, a nova Constituição também veio a permitir a criação de Sindicatos de Funcionários Públicos (até então proibida).

A realidade é que dezenas de novos sindicatos foram criados nas últimas décadas em nosso país, o que para muitos, tornou-se – com raras exceções - um grande negócio que tem sido bom somente para alguns dirigentes e não para seus representados (empregados ou empregadores).

O que a população acha dos sindicatos?

Em pesquisa (Dezº/2012) realizada pelo Datafolha em 160 municípios, com 2588 entrevistas sobre assuntos considerados polêmicos “para verificar a inclinação das pessoas por valores liberais e conservadores” (http://www1.folha.uol.com.br/poder/1206138-tendencia-conservadora-e-forte-no-pais-diz-datafolha.shtml), constatou-se que a utilidade dos sindicatos foi um dos temas que mais dividiu opiniões: enquanto 49% dos entrevistados acreditam que essas organizações são importantes para defender os direitos dos trabalhadores, 46% enxergam os sindicatos como grupos que servem mais para fazer política do que para defender os interesses da classe.

Um ponto que chamou a atenção foi que quanto menor a renda familiar, é maior a credibilidade no papel dos sindicatos. Enquanto os que recebem até 2 salários mínimos, 53% afirmaram que servem para defender os interesses dos trabalhadores, 41% acreditam que servem para fazer política. Já na faixa de renda superior a 10 salários mínimos, só 40% veem os sindicatos como defensores da classe e 58% enxergam as entidades como meio de manobra.

De certa forma, essa pesquisa confirma minha percepção de que a maioria dos trabalhadores não conhece profundamente o papel dos sindicatos e, também, não demonstra muito interesse que isso aconteça. De outro lado, sinto que muitos que se interessam, o fazem apenas para marcar presença dentro do movimento sindical, não como forma de atuação na defesa dos interesses de uma classe porque acreditam nos seus propósitos e ideais, mas sim como maneira de conquistar uma posição interna que lhes garantam alguma forma de estabilidade empregatícia ou visando outros interesses no campo político.

Outrossim, também tenho a impressão que a maioria dos representantes dos empregadores não consegue compreender a importância do papel de um sindicato estruturado e bem organizado como elo de ligação para o fortalecimento das relações trabalhistas, bem como para a formação de trabalhadores responsáveis, conscientes e preparados para ajudar a construir um país cada vez mais forte.    

É possível construir uma relação positiva com os Sindicatos dos empregados em geral?

Se considerarmos todas as categorias, acho pouco provável que isso seja possível até porque muitos Sindicatos não são representativos, não possuem estrutura e muitos dirigentes não estão preparados e/ou também não demonstram interesse.

Todavia, em muitos casos acho que sim, porém o sucesso dessas relações estará diretamente relacionado com a forma como são buscadas e encaminhadas soluções para situações e problemas mais complexos que possam contribuir ou prejudicar os empregados. Exemplos: Decisão sobre o fechamento de uma fábrica, eliminação de um turno de trabalho com corte de empregados, problemas sérios de segurança, etc.

Por parte do empregador, é preciso compreender que o Sindicato representa a categoria de sua principal atividade e a construção de um nível de relacionamento respeitoso e profissional com a entidade é essencial para um dia-a-dia sem tensões e dentro da normalidade.  

Quantos dos leitores já não vivenciaram ou conhecem algum caso em que a empresa autoriza um funcionário com alguma relevância dentro do sindicado de sua categoria a se afastar do trabalho para desenvolver alguma atividade de interesse da entidade?

Sob a ótica da igualdade de tratamento interno dentro das organizações, é óbvio que esse tipo de decisão incomoda qualquer empregador e torna-se mal visto pelos empregados que sentem-se tratados de forma desigual em relação ao seu colega com alguma posição dentro do Sindicato. E aí surgem as seguintes questões, para as quais eu deixo para o prezado leitor refletir e responder:

·         Por que os Sindicatos continuam se utilizando desse expediente mesmo sabendo que a maioria dos empregados da empresa não aprova esse tipo atitude? 

·         Será por que não existe nenhuma preocupação por parte da entidade em relação ao que os colegas da empresa possam pensar a respeito, ou será pela necessidade de provar força ou poder de sua diretoria? 

·         Ou será ainda que existe alguma outra razão que até hoje não consegui visualizar?

Particularmente, sinto que os Sindicatos precisam tratar essa questão com muito carinho e buscar outras soluções porque, muito embora possam estar resolvendo um problema interno na entidade, acabam criando ou alimentando uma antipatia muito grande junto aos trabalhadores da empresa(s) envolvida(s).

Como agir nos casos das contingências / divergências sérias que podem resultar em paralizações, greves, protestos, etc?

Não existe uma única resposta para essa questão, se é que é possível apresentar uma resposta convincente para todas as partes envolvidas.

Independentemente do porte da empresa, nesses casos, entendo que um dos principais aspectos que os empregadores devem atentar é em relação aos representantes ou interlocutores da empresa. Essas pessoas devem possuir, entre outras competências:

·         excelente poder de comunicação verbal;

·         ser respeitada dentro da organização;

·         bom controle emocional;

·         habilidade de negociação; e

·         poder de decisão.

Também entendo que jamais devem ser utilizadas estratégias que denotem posturas e/ou promessas falsas ou ilusórias com o objetivo de ganhar tempo ou tentar sensibilizar os envolvidos na negociação. É fundamental que a verdade esteja presente em todas as circunstâncias, mesmo que num primeiro momento possam gerar dúvidas e insatisfações da parte contrária. Nesse sentido relembro uma frase de Jean Cocteau (poeta e romancista) que dizia mais ou menos o seguinte: “uma garrafa de vinho meio vazia também está meio cheia, mas uma meia mentira não será nunca uma meia verdade”. Por isso, é preciso ter a coragem de jamais deixar de ser verdadeiro!

Se uma situação está gerando tensões internas na empresa que podem culminar com uma paralização ou greve, o melhor caminho é reunir os trabalhadores num salão ou pátio e o(s) representante(s) (com as competências anteriormente mencionadas) deve(m) expor – com clareza, firmeza e convicção - as razões que estão contribuindo para a situação que está sendo vivenciada e abrir(em)-se para responder à todas as dúvidas dos empregados. É preciso ter coragem e não fugir da “raia”!  

Essa postura poderá não impedir uma paralização ou greve, mas certamente irá sensibilizar muitos envolvidos e facilitará a condução dos passos subsequentes, tanto em relação a redução do nível de tensão como para uma negociação mais sensata e equilibrada.

É lógico que existem situações muito complexas, especialmente quando envolvem empresas multinacionais cujas decisões não dependem dos profissionais da filial brasileira. Nesses casos, o papel do principal executivo e do profissional de Recursos Humanos é ainda mais relevante porque eles serão os porta-vozes de decisões externas e aí a sabedoria na condução das negociações será decisiva na sua conclusão a bom termo.

Considerações finais

Como dissemos no início deste artigo, este é um tema difícil de ser abordado. Todavia, independentemente de que lado você esteja, tenha sempre em mente que - em geral - não existirão vencedores e perdedores quando todos tiverem o desejo sincero de buscar uma solução que possa representar o equilíbrio para todos os envolvidos. Jamais se esqueça de que o ideal sob sua ótica pode estar muito distante do ideal da parte contrária e por isso, tenha a sabedoria para compreender que - numa negociação - o melhor estará naquilo que é possível diante das circunstâncias e do momento.

Boa sorte, bom trabalho e até breve!
 
Autor: Carlos A Zaffani - Consultor em Gestão de Empresas