segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Hipocrisia: uma triste ou indiferente realidade nas empresas!

Vamos abordar um assunto que não é tratado ou discutido nos meios acadêmicos nem dentro das organizações, mas que pode comprometer o ambiente, o desenvolvimento e o futuro de uma empresa: a hipocrisia.

O dicionário Houaiss define a hipocrisia como: 1. característica do que é hipócrita, falsidade, dissimulação. 2. ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento, falsidade. 3. caráter daquilo que carece de sinceridade.

Em poucas palavras, poderíamos dizer que a hipocrisia é a manifestação de virtudes fingidas de bons sentimentos.

Antes de entrarmos diretamente na discussão do assunto no campo organizacional, creio ser válido tecermos alguns comentários sobre a hipocrisia no contexto do comportamento humano. Sem qualquer pretensão de levantar uma bandeira para uma discussão mais aprofundada, parece-me que a hipocrisia – nos dias atuais - é uma característica comportamental observada em alguns ou vários momentos dentro dos contextos que fazem parte da vida de cada ser humano.

Jacques Anatole France (poeta e romancista francês) dizia que “não há castos: somente doentes, hipócritas, maníacos e loucos”. É lógico que tal afirmação é radical demais para um observador mais sensato, porém acho que poucos discordarão de Napoleão Bonaparte quando disse que “quem sabe adular também é capaz de caluniar!”.

Tenho a impressão de que, atualmente, a hipocrisia está tão impregnada nas relações humanas que em muitos momentos ela é - mesmo que percebida – consentida e bem recebida pelas pessoas, especialmente as inseguras e aquelas com baixa auto-estima ou carência afetiva.
 
Quem já não fez um elogio à alguém apenas para ser gentil? Ou enaltecer uma qualidade inexistente como forma de incentivo a uma pessoa? Ou, de outro lado, ter sido bajulado escancaradamente por alguém que tem um interesse específico em relação a você ou em razão de sua inteligência, capacidade, poder de decisão ou posição social?  

A realidade é que a hipocrisia está aí e, por conseqüência, também está presente no mundo dos negócios e das organizações.

Quantos comerciais que assistimos diariamente na televisão são absolutamente verdadeiros na intenção e/ou na mensagem e/ou nas imagens? Apenas como exemplos: por que as propagandas de cervejas procuram associar o produto, na maioria das vezes, a jovens bonitas, ao conquistador, ao esportista ou ao cara mais esperto?  Ou por que os muitos anúncios de vendas de veículos apresentam e evidenciam um tipo de automóvel e no final, um longo texto (impossível de se ler em um ou dois segundos) é mostrado com as reais condições do negócio anunciado?

Será que não é possível a uma empresa patrocinar um atleta, equipe ou clube e ao invés de dizer que faz isso em prol do desenvolvimento do esporte e da juventude em nosso país, afirmar que só faz o patrocínio institucional porque espera um retorno mais à frente em aumento das vendas, de clientes, da produção e do lucro? Caro leitor, você acharia normal e compraria o produto dessa empresa? Qual seria a reação do mercado como um todo?

Um outro campo onde a hipocrisia é muito marcante é o da responsabilidade social, pois nos últimos vinte anos tornou-se cada vez mais crescente o número de empresas que sentiram a necessidade de passar uma imagem corporativa positiva e socialmente responsável e foi através da propaganda, a forma mais fácil de construir e oferecer ao mercado uma imagem saudável e positiva. O lucro - e só ele - parece continuar a ser a essência de muitas empresas!

Continuo convicto de que inúmeros projetos e programas de muitas empresas são inquestionavelmente excelentes em suas concepções e fundamentalmente importantes para a sociedade, porém, honestamente, acho que é preciso criar uma nova essência de valor para tratar a responsabilidade social sem hipocrisia.

Vamos agora, abordar a hipocrisia dentro das empresas.

Todo profissional com alguma vivência e experiência sabe que, entre outras coisas, pessoas desleais, individualistas, rancorosas, mentirosas, extremamente ambiciosas, bajuladoras e falsas existem em quase todas as organizações. Outrossim, sabe também, que puxões de tapete, promoções absurdas, protecionismos incompreensíveis e desrespeitos pessoais ou profissionais não são ocorrências tão raras. Se todas essas coisas acontecem em tantas empresas, é também fácil supor que a hipocrisia, por estar tão impregnada no comportamento humano, seja uma realidade comumente observada dentro das organizações.  

Seguramente, você que está agora lendo este artigo já foi “ator” (de um lado ou de outro) de alguma situação característica de um comportamento ou atitude hipócrita. Entre os inúmeros exemplos que podem ser mencionados, vamos citar alguns:

·        comunicação da dispensa de funcionário sob a alegação de que não há um motivo específico;

·        empregado que fica após o expediente para mostrar “comprometimento e responsabilidade” para seus superiores;

·        funcionário que chega na empresa e só cumprimenta os superiores;

·        subordinado que só almoça com os chefes;

·       elogio ao chefe mesmo após uma decisão equivocada ou precipitada ou por uma apresentação ruim de um projeto;

·       agradecer pela explicação porque a promoção foi concedida a um outro funcionário e não para si;

·       desculpar-se junto ao superior, após receber uma “bronca” que não merecia;

·       ver que um colega ou superior está prestes a tomar uma decisão errada, mas incentivá-lo assim mesmo;

·       elogiar um colega quando ele está presente e quando o mesmo se retira, critica-o abertamente para o grupo;

·       receber visitantes da matriz de outro país, elogiar o trabalho deles e quando encontra-se sozinho com seu grupo ou superior só sabe criticá-los;

·       dizer que sente-se privilegiado por fazer parte de uma equipe com a qual discorda totalmente;

·       funcionário que ri muito de piadas sem graça contadas pelo chefe;

Poderíamos continuar mencionando outros exemplos também nas relações com clientes, fornecedores, bancos, etc., porém não se faz necessário, até porque a quantidade acabaria preenchendo o espaço que tenho para completar o artigo.

A realidade é que a hipocrisia está aí presente e é difícil dimensionar quando ela não provoca maiores problemas ou consequências ou com que intensidade ou frequência ela se torna um mal efetivo para as organizações.

Neste ponto levanto a seguinte questão: é possível criar um ambiente interno absolutamente isento de hipocrisia?

Atualmente acho muito difícil, senão quase impossível. Primeiramente, em razão da natureza humana, que, em tantas circunstâncias, engana-se ao aceitar a hipocrisia como uma atitude sincera, educada ou motivacional. Em segundo lugar, porque no mundo corporativo, apesar do esgotamento dos atuais modelos de gestão, ainda não se conseguiu desenvolver um novo modelo em que prevaleça – nas palavras, nos gestos e nas ações – a sinceridade absoluta, o respeito em todos os graus e a franqueza custe o que custar.

Exemplificando: imagine um ambiente em que, após estudos profundos e conclusivos, a direção chamasse todos os funcionários e, entre outras ações, anunciasse, com total franqueza, o corte de “X” funcionários para viabilizar a manutenção da operação com a lucratividade mínima imposta pelos acionistas e como o fluxo de caixa estivesse deficiente, seria possível pagar somente os direitos trabalhistas normais. O que aconteceria com o moral e comportamento dos funcionários? Quem seriam os escolhidos para demissão? Como fazer um corte sem protecionismos ou preferências pessoais? Qual seria a posição do Sindicato diante dessa situação?

Imagine agora, uma outra empresa que dentro do espírito de transparência e franqueza total, colocasse no quadro de avisos, a relação de todos os diretores, gerentes, supervisores e demais funcionários com seus respectivos salários e benefícios. Dá para imaginar a aceitação plena por parte de todos? E aqueles que não aceitassem, poderiam se manifestar sem qualquer represália?

Suponha agora, um funcionário atendendo uma reclamação em razão da qualidade e o mesmo concordar com o cliente que, apesar da certificação ISO 9000, o produto adquirido é o que de melhor a empresa consegue fazer, que o produto do concorrente é superior, mas que espera que, como cliente, ele entenda a situação e continue comprando em razão da franqueza demonstrada. Ponha-se no lugar desse cliente e diga-me o que você faria ou diria?

Em conclusão, parece-me que ainda estamos distante da existência de um ambiente corporativo isento de hipocrisia. Todavia, apesar da provável maioria de gestores e consultores especializados discordarem, como observador e interessado no desenvolvimento da gestão empresarial, acredito que um dia isso será possível se, desde já, for iniciada uma mudança de conduta de nossas lideranças com práticas diárias de gestos e ações onde prevaleça a franqueza (em tudo que for possível) e incentivando o aprendizado sobre o que é hipocrisia e seus malefícios para as pessoas e para a organização.

A “desipocritização” (embora a palavra não exista) de nossas organizações será uma das mais árduas tarefas que os grandes gestores do futuro terão pela frente. Por ora, talvez tenhamos que concordar com Rafael Russon quando afirma que “a hipocrisia no ambiente de trabalho começa na entrevista de emprego e só termina com aquele e-mail de despedida ao sair”.

É uma triste realidade, infelizmente!

Bom trabalho e até breve!


Autor: Carlos A. Zaffani  -  Consultor em Gestão de Empresas