“Fica decretado
que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a
couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com
seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.”
Thiago de Mello
“O Estatuto do Homem”
Artigo V
“O Estatuto do Homem”
Artigo V
Vou
abordar um assunto pouco discutido no meio acadêmico ou empresarial, mas que pode
comprometer o ambiente, o desenvolvimento e o futuro de uma empresa: a
hipocrisia.
O
dicionário Houaiss define a hipocrisia como: 1. característica do que é hipócrita, falsidade, dissimulação. 2. ato
ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções; fingimento,
falsidade. 3. caráter daquilo que carece de sinceridade.
Em
poucas palavras, poderíamos dizer que a hipocrisia é a manifestação fingida de
bons sentimentos.
Antes
de entrar diretamente na discussão do assunto no campo organizacional, vamos
tecer alguns comentários sobre a hipocrisia no contexto do comportamento
humano. Parece-nos que a hipocrisia – nos dias atuais – é uma característica
comportamental observada em alguns ou vários momentos nos contextos que fazem
parte da vida do ser humano.
Jacques
Anatole France, poeta e romancista francês, dizia que “não há castos: somente
doentes, hipócritas, maníacos e loucos”. É lógico que tal afirmação é radical
demais para um observador mais sensato, porém acreditamos que poucos discordarão
de Napoleão Bonaparte quando disse que “quem sabe adular também é capaz de
caluniar”.
Temos
a impressão de que, atualmente, a hipocrisia está tão impregnada nas relações
humanas que em muitos momentos ela é – mesmo quando percebida – consentida e
bem recebida pelas pessoas, especialmente as inseguras e com baixa autoestima
ou carência afetiva. Quem nunca fez um elogio a alguém apenas para ser gentil ou
enaltecer uma qualidade inexistente como forma de incentivo? Ou ainda nunca foi
bajulado escancaradamente por alguém em razão de sua inteligência, capacidade,
poder de decisão ou posição social?
A
realidade é que a hipocrisia está aí e, portanto, também está presente no mundo
dos negócios e das organizações.
Quantos
comerciais que vemos diariamente na televisão são absolutamente verdadeiros na
intenção, na mensagem ou nas imagens? Por que as propagandas de cerveja
procuram associar o produto, na maioria das vezes, a jovens bonitas, ao
conquistador, ao esportista ou ao esperto? Ou por que os muitos anúncios de
vendas de veículos mostram um tipo de automóvel e, no final, um longo texto, em
caracteres reduzidos (impossível de se ler em um ou dois segundos), apresenta
as reais condições do negócio anunciado?
Será
que não é possível uma empresa patrocinar um atleta, equipe ou clube e, ao
invés de dizer que faz isso em prol do desenvolvimento do esporte e da
juventude em nosso país, afirmar que só espera um retorno mais à frente em
aumento das vendas, de clientes, da produção e do lucro? Caro leitor, você
acharia isso normal e compraria o produto dessa empresa?
Outro
campo onde a hipocrisia é muito marcante é o da responsabilidade social. Nos
últimos vinte anos, tornou-se cada vez maior o número de empresas que sentiram
a necessidade de passar uma imagem corporativa socialmente responsável e
o fizeram através da propaganda, a forma mais fácil de construir e oferecer ao
mercado uma imagem saudável e positiva. Porém, o lucro – e só ele – parece
continuar a ser o único propósito de muitas empresas!
Inúmeros projetos
e programas são inquestionavelmente excelentes em suas concepções e
fundamentalmente importantes para a sociedade, contudo, é preciso criar uma
nova essência de valor para tratar a responsabilidade social sem hipocrisia.
Vamos agora
abordar a questão da hipocrisia dentro das empresas.
Todo profissional
com alguma experiência sabe que, dentre outras coisas, pessoas desleais,
individualistas e falsas existem em quase todas as organizações. Sabe também
que puxões de tapete, promoções absurdas, protecionismos incompreensíveis e
desrespeitos pessoais ou profissionais não são ocorrências tão raras. Se tudo
isso acontece em tantas empresas, é também fácil supor que a hipocrisia, por
estar tão impregnada no comportamento humano, seja uma realidade comumente
observada dentro das organizações.
Seguramente, você
que está agora lendo este artigo já passou por alguma situação característica
de um comportamento ou atitude hipócrita. Dentre os inúmeros exemplos que podem
ser mencionados, eis alguns:
·
empregados que ficam após o expediente a fim de mostrar comprometimento
e responsabilidade para seus superiores;
·
funcionários que chegam na empresa e só cumprimentam os
superiores;
·
subordinados que só almoçam com os chefes e evitam os
colegas;
·
aqueles que só elogiam o chefe, mesmo após uma decisão
equivocada ou precipitada;
·
aqueles que agradecem, mesmo não concordando, pela
explicação do porquê a promoção foi concedida a outro funcionário e não para
si;
·
aqueles que se desculpam junto ao superior após receber uma
“bronca” que não mereciam;
·
aqueles que elogiam um colega quando ele está presente e, quando
o mesmo se retira, criticam-no abertamente;
·
aqueles que dizem sentir-se privilegiados por fazer parte
de uma equipe da qual discordam totalmente.
A realidade é que
a hipocrisia está sempre presente e é difícil dimensionar quando ela não
provoca maiores problemas ou consequências ou com que intensidade ou frequência
ela se torna um mal efetivo para as organizações.
Neste ponto,
levanta-se a seguinte questão: é possível criar um ambiente interno
absolutamente isento de hipocrisia? É muito difícil, senão quase impossível. Primeiramente,
em razão da natureza humana, que, em tantas circunstâncias, engana-se ao
aceitar a hipocrisia como uma atitude sincera, educada ou motivacional. Em
segundo lugar, porque no mundo corporativo, apesar do esgotamento dos atuais
modelos de gestão, ainda não se conseguiu desenvolver um novo modelo em que
prevaleça – nas palavras, nos gestos e nas ações – a sinceridade absoluta, o
respeito em todos os graus e a franqueza custe o que custar.
Imagine um
ambiente em que, por pior que fosse a crise, a direção chamasse todos os
funcionários e anunciasse, com total
franqueza, o corte de alguns funcionários para viabilizar a manutenção
da operação com a lucratividade mínima imposta pelos acionistas e que, dado o
fluxo de caixa deficiente, dissesse que seria possível pagar somente os
direitos trabalhistas normais. O que aconteceria com o moral e comportamento
dos funcionários que ficassem? Como seriam escolhidos os demitidos? Como fazer
um corte sem protecionismos ou preferências pessoais? Qual seria a posição do sindicato
diante dessa situação?
Imagine agora uma
outra empresa que, dentro do espírito de transparência e franqueza total,
colocasse no quadro de avisos a relação de todos os diretores, gerentes,
supervisores e demais funcionários com seus respectivos salários e benefícios.
Dá para imaginar tal situação? E aqueles que não aceitassem, poderiam se
manifestar sem qualquer represália?
Suponha agora um
funcionário atender uma reclamação em razão da qualidade e concordar com o
cliente que, apesar da certificação ISO 9000, o produto adquirido é o que de
melhor a empresa consegue fazer, que o produto do concorrente é superior, mas
que espera que, como cliente, ele entenda a situação e continue comprando em
razão da franqueza demonstrada. Ponha-se no lugar desse cliente. O que você
faria ou diria?
Certamente, ainda
estamos distantes de um ambiente corporativo isento de hipocrisia. Mas não
custa sonhar – e desejar – que um dia isso será possível se, desde já, for
iniciada uma mudança de conduta de nossas lideranças, com práticas diárias onde
prevaleça a franqueza (em tudo que for possível) e incentivando o aprendizado
sobre o que é hipocrisia e seus malefícios para as pessoas e para a
organização.
A “desipocritização”
(embora a palavra não exista) de nossas organizações será uma das mais árduas
tarefas que os grandes gestores do futuro terão pela frente. Por ora, talvez
tenhamos que concordar com Rafael Russon quando ele afirma que “a hipocrisia no
ambiente de trabalho começa na entrevista de emprego e só termina com aquele
e-mail de despedida ao sair”.
É uma triste
realidade, infelizmente!
Autor: Carlos A. Zaffani - Consultor em Gestão de Empresas
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